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Manifesto do Centro de Defesa de Direitos Humanos (CDDH)

13-07-18 | CDDH, Crianças e Adolescentes | admin |

O Centro de Defesa de Direitos Humanos, parceria entre o COL e Proame, participou compondo a mesa na Audiência Pública realizada no dia 08 de julho, na Câmara de Vereadores de São Leopoldo/RS. Segue abaixo o texto que representa a manifestação do CDDH.

 Boa tarde.

Primeiramente, cumprimento a todos as trabalhadoras e os trabalhadores presentes, assim como aqueles que estão presentes nessa mesa: Ismael Mendonça, vereador proponente desta audiência pública; Maria do Rosário, Deputada Federal pelo Partido dos Trabalhadores; professora Márcia Blasi; e, por último, Eduardo Moraes, Secretário de Direitos Humanos do Município de São Leopoldo.

Realizados os devidos cumprimentos, passo a me apresentar: me chamo Lucas e sou advogado no Centro de Defesa de Direitos Humanos de São Leopoldo, o qual é fruto de uma parceria entre o Proame Cedeca Bertholdo Weber e o Círculo Operário Leopoldense, ambas organizações da sociedade civil que há muito consolidam seus trabalhos nesse município no âmbito da defesa do direito das crianças e dos adolescentes.

Embora minha representação aqui seja demarcada pelo convite realizado ao CDDH para participarmos dessa audiência pública, na qual desde já eu e meus colegas – Márcia, Odete, Pedro e Camila, que atualmente compomos a equipe do CDDH – agradecemos pela oportunidade de participar, já que consideramos esse momento um momento histórico no município de São Leopoldo, é preciso firmar que nossa manifestação nessa mesa tentará representar ao máximo os interesses da sociedade civil na construção, posta em andamento, dessa Política Municipal de Direitos Humanos.

Antes de tudo – e até mesmo para fazer jus ao convite realizado pelo vereador proponente Ismael e a pergunta que nos foi colocada: qual política de direitos humanos queremos para São Leopoldo? – gostaria de relembrar que quando o assunto é direitos humanos e a consolidação de políticas governamentais nesse sentido, a sociedade civil sempre se fez presente nos momentos cruciais.

Durante o período da ditadura civil-militar, estando os movimentos sociais sob pressão dos aparatos policiais, que se fortaleciam com estratégias como torturas, mortes e desaparecimentos forçados (contabilizados e sistematizados pelos Relatórios da Comissão da Verdade durante o governo da ex-presidenta Dilma Roussef há alguns anos atrás), as organizações da sociedade civil surgem com o objetivo de fortalecer aqueles movimentos que iam na corrente contrária dessas arbitrariedades.

Essa continuidade e apoio das organizações da sociedade civil em um momento de resistência pode ser demonstrada em dois momentos: no relatório da Anistia Internacional de 1972, o primeiro documento que escancarou ao mundo, ainda em plena ditadura, aqueles que haviam sido torturados pelo Delegado Fleury do DOPS de São Paulo, e outros. E recentemente, quando a corte Interamericana de Direitos Humanos, provocada por uma organização da sociedade civil que atua em nível internacional, condenou o Estado brasileiro por crime contra a humanidade pelo assassinato de Vladimir Herzog.

No período da redemocratização e de formulação da constituição federal de 1988, tão surrada nos dias de hoje mas que não pode deixar de ser considerada uma das mais progressistas do mundo, a sociedade civil e suas mais variadas organizações tiveram papel fundamental nas construções das políticas, passando a incidir diretamente junto ao governo federal, num movimento que, posteriormente, restou deslocado das ruas por ministérios – segundo um texto recente do Moysés Pinto Neto.

Porém, os tempos mudaram. Sobreveio um golpe em 2016 com vernizes jurídicos e posteriormente uma série de medidas completamente impopulares, que atacam os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras.  Mais profundamente, seja para o governo, seja para a sociedade civil, me parece que falar e colocar em prática uma “política de direitos humanos” é ter de passar por inúmeras barreiras que estão sendo impostas por novos discursos – os quais, em sua maioria, atentam contra direitos humanos de diversas populações. Explico minha afirmação (embora acredito que todos presentes tenham notado que voltamos à explicar o óbvio):

  1. a) vejam, atualmente temos de enfrentar a tentativa de imposição, a todo momento, de uma nova razão de mundo expressa em um discurso econômico que se utiliza das leis para manter os privilégios daqueles que mais tem e detém recursos no país – e de quebra, temos que lidar com governos que terminam adotando o discurso, não tão novo, da austeridade, com cortes diretos nas políticas públicas (um exemplo é a PEC do Teto de Gastos 55/241 que, congelando as possibilidades de investimentos em saúde e educação, terminou ainda por agravar a crise econômica do país, como mostrou a economista Laura Carvalho); e é contra esses discursos que uma política de direitos humanos tem de se impor como filtro para que as opções do governo – a nível municipal – não onerem, em primeiro lugar, os direitos dos que mais precisam; e talvez esse enfrentamento não se faça diretamente, pois se sabe que questões orçamentárias dependem dos entes estaduais e federais, mas que coloque ou force o debate sobre as possíveis violações que algumas opções podem gerar;
  2. b) de discursos que não se pretendem ideologizados mas que não apresentam evidências e dados mínimos que comprovam suas efetividades, como aquele projeto de nível nacional chamado “escola sem partido” (que ao que soube, teve uma resistência combativa nesta Câmara e restou arquivado há menos de um mês) que tenta barrar “doutrinação ideológica” quando na verdade se pretende um grande reprodutor de concepções vinculadas ao status quo e termina por atacar o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas que pretendem levar aos estudantes liberdade de pensar e aprender – em suma, essa e outras políticas atacam a possibilidade de uma visão crítica de mundo que é essencial na construção dos direitos humanos, ainda mais em uma sociedade anatomizada e individualista como a nossa;
  3. c) de discursos que criminalizam defensores de direitos humanos, chamando-os de defensores de bandidos e fazendo do nosso país um dos países que mais assassinam defensores de direitos humanos, como mostra um relatório da Anistia Internacional publicado nesse ano, expondo que só em 2017, entre janeiro e setembro, o Brasil contabilizou 62 mortes. Pessoas que, como nós aqui, buscavam consolidar os direitos dos mais vulneráveis e se reconheciam como defensoras de direitos humanos; como referiu alguém em um texto que li há pouco tempo mas que não me lembro do autor, não só fazem de tudo para esconder a mensagem – e as fake news estão aí para provar isso – como também estão matando a mensageira e o mensageiro;
  4. d) E temos também um outro discurso que, evidentemente, dificulta ainda mais a construção de uma política de direitos humanos, que a própria criminalização e o desprezo pelo fazer política, pela política, pelos políticos (derivado aí talvez pela negação do comum), o que, aliado ao discurso de “combate à corrupção” – que é um discurso que é bastante volátil e que serve a interesses bastante específicos – termina por criminalizar essa figura tão importante na construção do processo democrático e na consolidação dos direitos humanos;
  5. e) e por fim, e aqui temos um tema que cada dia mais toca São Leopoldo, o já batido discurso da guerra às drogas que agora tem suas consequências renovadas nas disputas por territórios realizadas pelas facções de Porto Alegre e que acabam atingindo a Região Metropolitana; uma política municipal de direitos humanos, nesse caso, se torna mais urgente: a) desde o viés de intervenção na elaboração de uma política de prevenção e de segurança, dentro dos limites do município, voltada à tentar assegurar aos agentes envolvidos com o mercado ilícito o máximo possível de direitos; b) assim como na formação e atenção com os trabalhadores e trabalhadoras dos serviços de assistência, saúde e educação, os quais vivenciam essa realidade todos os dias, a fim de que possam construir novas alternativas de atendimento e convivência com as regiões mais afetadas pelo tráfico, já que as atuais já vem se mostrando ineficazes.

Todas essas nuances da conjuntura política atual não são novidades para ninguém aqui, mas as trago para reforçar que uma política de direitos humanos para São Leopoldo, diante das dificuldades que nos encontramos como defensores de políticas públicas voltadas às pessoas mais vulneráveis – frente a esses novos discursos. Precisamos unir forças entre governo e sociedade civil, retroalimentando um diálogo – como esse que ocorre aqui hoje. Assim, ao CDDH, que ora representa as pautas de direitos humanos mas que não pode deixar de absorver na sua fala as pautas de gênero, da igualdade racial, dos transgêneros e LGBT, das crianças e dos adolescentes, dos trabalhadores e trabalhadoras, acredita que alguns canais, a nível municipal, podem ser reforçados por uma política de direitos humanos, reduzindo assim possíveis violações. Sabe-se que à sociedade civil é está o papel de exigir, pressionar, cobrar, criticar e fiscalizar as ações do Estado, e também propor e construir ideias que, de forma mais permanente, ajudem a estabilizar o que ainda resta desse chamado ‘Estado de Direito’:

1) em primeiro lugar, parece ser necessário que uma política de direitos humanos reforce e potencialize – colocando esses núcleos a par das atividades governamentais para que atuem como mecanismos populares junto às decisões orçamentárias e políticas da sociedade – o diálogo com os conselhos municipais existentes, onde há forte participação da sociedade civil. Entre eles, cito alguns: Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) Conselho Municipal de Cultura, Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDEDIDCA), Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (COMDIM), Conselho Municipal de Educação (CME), Conselho Municipal de Saúde;

2) Também, é essencial a criação de um Conselho Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, como fez o Rio de Janeiro em sua política municipal de direitos humanos, para atuar junto da Secretaria de Direitos Humanos, dando representação paritária à sociedade civil nas decisões a serem tomadas por esse órgão governamental. Nesse sentido, e aí não sei se nesses termos, mas caberia então à Secretaria de Direitos Humanos assegurar que esse Conselho fomente debates sobre direitos humanos nas regiões do município, com ações específicas voltadas às escolas e aos jovens. Ainda, garantir que esse Conselho Municipal de Direitos Humanos participe do processo de elaboração do Plano Plurianual e de outras instâncias orçamentárias.

3) Por último, nos parece importante, e isso devido a atuação recente do CDDH em São Leopoldo, a criação de um canal de ouvidoria vinculado à Secretaria de Direitos Humanos – e, havendo prosseguimento na ideia de criação de um Conselho Municipal de Direitos Humanos, junto a esse também – que possa receber denúncias de cidadãos e também de funcionários do governo. Para tanto, e isso parece essencial nesse tipo de política, necessário se faria contar com uma equipe multidisciplinar treinada e estruturada para o atendimento das violações, internas e externas. Esse órgão interno, chamado Ouvidoria, seria responsável então por receber, encaminhar e fiscalizar denúncias relativas a violações de direitos humanos no município de São Leopoldo.

Assim, apresentamos essas ideias com o intuito de reforçar que nenhuma política municipal de direitos humanos poderá ser construída sem o trabalho conjunto entre governo, sociedade civil e também movimentos sociais, sob pena de enfraquecermos esses movimentos de resistência que cada dia mais se fazem necessários.

O Centro de Defesa de Direitos Humanos agradece o convite e se coloca à disposição da Secretaria de Direitos Humanos para construir as políticas aqui propostas e outras. Obrigado.